Enquadramento deste trabalho no percurso da vida:
 

 É de perguntar como apareço no meio do Amazonas em 1976 quando há um ano atrás estava em Moçambique a trabalhar como gerente duma Empresa !


Sem querer entrar nas memórias da vida, recuamos ao ano de 1974,  25 de Abril, quando em Portugal  se dá a chamada Revolução dos Cravos.
Lembro de nesse dia  ouvir pela rádio em minha casa em Lourenço Marques a noticia da revolução, e ter comentado "o princípio do fim".

 E foi !
 

Fim de vida no país onde nasci e trabalhei, que num abrir e fechar de olhos de lá tive de sair.
 

O período mais conturbado e traumatizante  foi  de Abril de 1974 em Moçambique a 1976  no Brasil,  quando em Niterói  em casa de amigo da família respondo a um anuncio de emprego num jornal carioca colocado pela empresa Copavel recrutando um profissional com experiência em topografia de campo.
Entrevista ,e sou contratado como responsável do Setor de Topografia e Fotogrametria da Copavel SA com sede na Rua Conselheiro Olegário no Rio de Janeiro.

Dentro dos projetos que participei nesta empresa, o mais marcante foi a topografia para a construção da ligação ferroviária S.Luis do Maranhão à  Serra dos Carajás em pleno coração da Amazônia, que passo a detalhar :



 Projeto dos Carajás: Carajás

Não sei se hoje o traçado da linha férrea que foi construído, segue na totalidade aquele que foi implantado por mim no terreno no troço entre Marabá e o Porto de  S.Luis do Maranhão, mas ninguém tira o pioneirismo dos trabalhos de campo entre 1976 e 1978 envolvendo tantas pequenas aventuras que marcaram para sempre na minha memória a grandiosidade e a força da Selva Amazónica

O silêncio, o silêncio esmagador no interior da floresta Amazónica onde as copas dos enormes castanheiros dificilmente deixavam ver o sol, foi uma das mais marcantes situações nos trabalhos topográficos para a construção da linha férrea dos Carajás ligando a mina na Serra com o mesmo nome, Estado do Pará, até ao porto de S.Luis no Maranhão.


Imagem :A "ferida" na floresta consequência da exploração da mina dos Carajás
 
Opressivo, perturbador, por vezes conseguia alterar o comportamento dos trabalhadores sem que eles se apercebessem das razões porque tinham de ser substituídos. A selva no seu interior mais profundo é um gigante vivo que temos de conviver e compreender.

 O escritório de campo ficava em Marabá, pequena cidade plana na confluência dos rios Itacaíunas e Tocantins, que por vezes se uniam na época das grandes chuvadas transformando as ruas em rios.

 

Cenas únicas de habitantes dentro de suas casas a pescar pelas janelas que o peixe era farto. [1]👇

Um técnico no escritório fazia a ligação via rádio com as várias equipas de campo, as turmas como eram conhecidas, e com o escritório  no Rio de Janeiro. 

No total eram 5 equipas com cerca 20 homens cada. Distribuíam-se pelos 730 km que ia de Marabá até ao porto de S.Luís

Cada equipa  acampava no interior da selva , abastecido em mantimentos e equipamento  com apoio do helicóptero , o sapão , assim conhecido pela sua côr amarela , largo e baixo.
Na equipa havia um caçador , que saia logo pela manhã cedo e voltava ao fim da tarde com a caça que conseguia matar, geralmente animais de pequeno porte , um cozinheiro com ajudante e um operador de rádio . O restante dos homens  estavam destinados à abertura e limpeza das picadas.

 

A abertura na selva da clareira para o sapão pousar e deixar o pessoal e equipamento, era feita por um experiente trabalhador que descia  por rapel com a motosserra a tiracolo  para derrube de poucas árvores  de grande porte, que ao caírem arrastavam as outras . No helicóptero no ar , assistia-se, até descer mais pessoal para ajudar na limpeza da clareira.[2]👇

Cabia-me a tarefa de implantar no terreno a directriz do traçado deslocando no sapão entre cada equipa, e permanecendo em cada o tempo necessário até ter uma piquetagem significativa de traçado e o levantamento de uma faixa para cada lado . Em zonas de floresta densa permanecia cerca de uma semana em cada equipa.

 

O equipamento topográfico que dispunha era pouco: Teodolitos, Giroscópio para orientação , Distanciómetro , miras . Nada de GPS que não havia ,nem sistemas modernos de orientação. 

Lembro de mandar atar balões vermelhos em galhos das árvores para em certas zonas mais densas de vegetação ter algumas referências.

A progressão diária era em algumas zonas muito lenta devido ao emaranhado da vegetação por debaixo dos enormes castanheiros. No interior da floresta só dava para andar a pé ou com mais sorte de burro .
Qualquer outro transporte era impossível.
 

O corredor do traçado era aberto à catanada pelos trabalhadores .[3]👇
Por vezes atravessávamos zonas totalmente limpas da vegetação por debaixo das monumentais copas das árvores.
 Castanheiro da Amazônia

Levantamento topográfico:Projeto dos Carajás
Esta foto mostra o topografo de uma da equipas a efectuar o levantamento dos perfis transversais do traçado.



Deslocação em canoa no Rio Tocantins: Na travessia de cachoeiras onde a água corria com rapidez no intervalo de bancos pedregosos, o responsável pelo motor fora de borda da canoa, rodava o motor de modo a hélice sair da água, e os auxiliares giravam a canoa de 180º para direcionar a embarcação com maior facilidade levada pelos rápidos da cachoeira. A imagem mostra a aproximação de uma cachoeira


Projeto de Balbina ou dos Carajás:

A rodovia com grande probabilidade é a BR174 quando se conduzia em direção a Manaus para apanhar o avião da Varig que me transportava até ao Rio de Janeiro.

Na travessia dos igarapé fazia-se o levantamento do leito da linha de água e duma área maior. Nesse local poderia ser necessário construir um obra de arte.[4]👇

As deslocações no interior da floresta eram feitas pé ou de burro, enfrentando as nuvens de mosquitos ao fim da tarde, ou as sanguessugas "coladas" às pernas quando tínhamos de atravessar zonas alagadas com água estagnada .

Noites dormidas numa rede atada a duas árvores  com as suas enormes raízes que mais pareciam os braços de um polvo , bem cobertos por mosquiteiro não fosse qualquer rastejante, aranha, escorpião, ou os impertinentes mosquitos perturbar o nosso descanso.

Não havia queimadas nem zonas de intervenção humana. Havia sim uma ansiedade pela anunciada presença de índios
[5]👇

Por vezes cruzávamos com muito pequenos aglomerados de população morando em habitações rudimentares idênticas às que havia no interior de Moçambique.
Há muita informação  sobre esta ferrovia considerada a mais eficiente do Brasil :

Um exemplo: Ferrovia actual

  👆[1] Existem muitas espécies de peixe no rios da Amazonia. Três eram conhecidos por todos : A piranha, o pirarucú (arapaima gigas/) e o tucunaré que davam belíssimas caldeiradas.

Especies do amazonas
Na coluna da direita pode-se ver a imagem de Marabá quando inundada pela junção dos dois rios .Os carros eram substituídos por canoas e o pessoal pescava pelas janelas do escritório .Não era no entanto provável que pescar com uma cana artesanal pela janela de uma habitação se  fosse apanhar peixe de grandes dimensões.


👆[2] O helicóptero sapão teve uma avaria enquanto sobrevoava a floresta . Quando as hélices pararam  apoiou-se nas copas das árvores não se danificando. Situação insólita que não teve consequências além de atrasar os trabalhos de campo.

👆[3] Aprendi que era escusado  pedir mais ligeireza ao pessoal na abertura da faixa. A primeira vez que peguei na catana para demonstrar como deveria ser feito, saltou uma enorme aranha avermelhada para a minha coxa, fazendo desistir da pretensão, pelo menos naquele dia.

👆[4] Constatei  uma situação invulgar : Os pequenos cursos de água , os igarapés , estavam sujeitos ao fenómeno das pororocas na foz do rio Amazonas. Quando a acção da pororoca chegava ao igarapé, às vezes centenas de quilómetros da foz do amazonas, verificava-se que a água do igarapé corria no sentido contrário ao declive do leito. Desconhecendo na altura a existência deste fenómeno, fui induzido a repetir o levantamento topográfico do perfil do igarapé convencido que o erro era meu.

👆[5] Situação inédita contado pelo pessoal de uma das cinco turmas :
Ainda emocionados pelo acontecimento
, relataram que foram rodeados por índios que os obrigaram a despirem-se e dançarem ao som da batucada que produziam. Quando satisfeitos de tanto rir pela cena , desapareceram na floresta sem deixar rasto:  Carajás tribo

 

Projeto de Balbina :


Em fins de 1978 fui convidado pelo grupo Monasa/Enge-Rio com sede na Av. Rio Branco no Rio de Janeiro a chefiar o Setor de Apoio Básico no projeto de construção da Barragem Hidroelectrica de Balbina no rio Uatumã , afluente da margem esquerda do Amazonas.
 

Totalmente diferente do Projeto de Carajás tinha uma participação muito individual com intenso trabalho de gabinete mas com poucas idas ao campo.
Projeto muito controverso conforme pode-se ler neste artigo da Wikipédia  Balbina ou em muitos outros artigos como por exemplo :Opinião

Do trabalho de campo memórias que ficaram:

A viagem entre Manaus e o local de construção da Barragem:

Era num helicóptero semelhante ao da imagem que efectuava o percurso para Norte entre Manaus e o Rio Uatumã , na margem esquerda do rio Amazonas ,no local onde se iria erguer a barragem. Cerca de 158,2 Km sobre um "tapete" de vegetação  verde escuro cortado aqui e além pelo reflexo do sol na água de algum rio ou linha de água. Viagem emocionante pela baixa altitude de voo.

 ✔A estadia no acampamento:
 

Eram dois cabeços em cada margem . Mais nada se avistava senão zona muito plana que iria ser o futuro reservatório .O acampamento estava montado no cabeço da margem direita do rio Uatumã . Dois ou três barracos para armazenagem de materiais e  dormitórios.
O trabalho de campo resumia-se ao levantamento topográfico dos dos cabeços que seriam no futuro os encontros da barragem.

 Existem no entanto acontecimentos  que persistem na memória :

O cuidado de ao acordar investigar se nos chinelos de quarto estava ou não algum escorpião, situação que me informaram ser recorrente, e de numa manhã bem cedo depois de ter estado de pé por entre as ervas a olhar para o rio, aparecerem nas pernas e na barriga borbulhas vermelhas em grande quantidade que causavam enorme comichão . Desconhecendo a origem pedi para ser evacuado. De carro levaram-me para a localidade mais próxima para ser observado por um "médico" que diagnosticou  uma infecção no fígado e  deu-me uma injecção . De volta ao acampamento , chegou-se à conclusão que a origem era o pium, esbranquiçado e volátil menor que uma pulga (Ferreira de Castro no livro A Selva) que trepava pelas pernas até  onde podia, deixando o corpo numa miséria.
 

Este Projecto de Balbina foi a minha ultima participação e estadia no Brasil . A situação económica  estava a deteriorar-se com uma inflação galopante . O desemprego era notório e o ambiente no trabalho estava "pesado" com o despedimento de pessoal maioritariamente estrangeiro.Recordo que o meu pagamento salarial mensal variava todos os meses com o adicionamento da chamada "correcção monetária" para compensar o aumento de preços.
Em 1981 estava em Lisboa a trabalhar no Instituto Geográfico e Cadastral hoje DGT responsável pelo Sector de Ortoprojecção

 

A Amazónia actual (2021):
 

Está a decorrer em Glascow até 12 Novembro 2021 a 26ª Cimeira do Clima (COP26).

O que é a COP ?
  "COP é a sigla em inglês de Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC). Também conhecida na origem como “Convenção do Rio”, foi criada na Cimeira da Terra, realizada no Rio de Janeiro, no Brasil, em 1992, com o objetivo de travar “a perigosa interferência humana” no sistema climático e estabilizar as concentrações de gases na atmosfera"

A Amazônia e a COP:

Consequências da desflorestação no clima:

"MANAUS – Quase 200 países se farão representar na Conferência do Clima COP 26, iniciada nesta segunda-feira (1°) em Glasgow, na Escócia, para discutir o futuro do planeta Terra. E a Amazônia consumirá boa parte dos debates, por ser a região do mundo com a maior concentração de floresta nativa.

Mas o que o mundo sabe sobre a Amazônia? Quase nada. Essa situação torna o debate sobre a região improdutivo desde as primeiras conferências do clima. O mundo fala em preservar a Amazônia, mas são pouquíssimas as soluções apresentadas para salvar a floresta."

Fotos do desmatamento na Amazónia


 

Garimpo ilegal no Pará: empresas que fazem logística recebem milhões do governo federal (Foto: Vinícius Mendonça/Ibama)